domingo, 20 de maio de 2018

O democrata autoritário

É claro que o título deste texto é uma contradição em termos, mas é assim que eu vejo muitos dos nossos supostos democratas. A seguir tratarei de deixar mais claro o que quero dizer.
Reza o parágrafo único do artigo 1º da nossa constituição: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição".
Bom, vamos iniciar trocando em miúdos o que vai acima. "Todo poder emana do povo", significa que o poder político só se legitima se submetido à decisão popular, no caso através de eleições limpas e periódicas. "...que o exerce por meio de representantes eleitos...", a democracia REPRESENTATIVA é a forma consagrada hodiernamente de exercício da vontade popular. "...ou diretamente, nos termos desta constituição...", porque as hipóteses e condições para o exercício direto da vontade popular devem ser regulamentadas e restritas. Isso, à primeira vista, parece ruim, mas não é. O povo, no coletivo, não tem condições de tomar conhecimento, em detalhes, das questões em discussão, de modo que não pode tomar decisões racionais sobre temas como tributos, leis penais, zoneamento urbano, políticas de transporte, poluição e toda a infinidade de assuntos que precisam ser discutidos numa democracia. Mas há temas que, devidamente regulamentados para evitar a manipulação da vontade popular como massa de manobra, podem e devem ser submetidos à consulta direta aos eleitores, recall de políticos eleitos, por exemplo.
Assim, o modelo de democracia mais legítimo que se conhece é a democracia representativa. No Brasil o que se observa, especialmente entre as elites supostamente mais educadas, é uma mal disfarçada intolerância com os ritos e os riscos  de uma sociedade verdadeiramente democrática. Vejamos alguns exemplos de atitudes antidemocráticas amplamente aceitas em nossa sociedade:
Demonização de eleitores de que discordamos - com o advento da internet e das redes sociais se tornou visível a grande explosão de intolerância com o voto divergente, vejamos os recentes casos das eleições de Dilma Roussef, por exemplo, em que os mineiros e nordestinos foram bastante ofendidos porque nessas regiões ela teve grandes vitórias;
Lei da ficha limpa - o que é essa lei senão uma forma de tutelar o eleitor? Se todo poder emana do povo, o povo PODE eleger o pior facínora, se essa for sua vontade. A discussão é muito mais ampla, eu sei, mas não cabe fazê-la aqui. Agora, que a lei tutela o eleitor, tutela;
Restrições à capacidade de decisão dos eleitos - a toda hora se veem iniciativas buscando limitar o exercício do poder dos eleitos submetendo-as ao arbítrio de não-eleitos. É o MP, é o judiciário e são órgãos de controle diversos castrando o exercício do poder popular por seus representantes eleitos;
Tutela dos eleitos pelos concursados - em tempos de lava-jato, com apoio de amplas camadas da imprensa e de moralistas tacanhos, o poder político se deslocou bastante para o establishment burocrático, deixando os representantes eleitos encurralados e acoelhados, como diria certo político notório;
Democracia direta - vira e mexe aparece algum espertalhão clamando pela democracia direta, querendo submeter certos assuntos polêmicos, que dividem a sociedade, a plebiscitos. Sabemos que isso parece ser a essência da democracia, mas na verdade é a essência da demagogia. O povo, no coletivo, age como massa, e a massa, sob certas condições, pode ser facilmente manipulada. Assim, pode apostar que, quando vir um espertalhão cobrando democracia direta, ele acha que tem, naquele momento, as condições necessárias para manipular a massa a seu favor. Num outro momento, desfavorável, esse mesmo espertalhão pregará apaixonadamente a favor da democracia representativa.

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