domingo, 10 de maio de 2020

A boquinha: da extrema esquerda à extrema direita, todos a querem

Numa trajetória já longa de leitor atento e observador da conjuntura brasileira, uma característica dos nossos homens e mulheres públicas, tanto eleitos quanto concursados, se me torna vergonhosamente evidente. Invariavelmente querem se dar bem, ter uma vantagem, se arrumar, botar o burro na sombra, à custa dos pagadores de impostos. Não bastam as estabilidades dos empregos e as aposentadorias integrais, querem sempre mais, de modo que o parasitismo do Estado é uma característica que, enquanto não for enfrentada para valer, não nos deixará nunca a nos tornar uma sociedade justa e desenvolvida.
- Ah, mas não são todos!
- Ok, o fato de haver exceções não invalida o raciocínio acima porque, para todos os efeitos, é uma característica dominante, que atropela e cala, até os tempos atuais, as poucas vozes dissonantes.
Vejamos alguns breves exemplos que me veem à memória, para ilustrar o que estou a dizer:
Em Outubro de 1999 Anthony Garotinho, então Governador do Rio de Janeiro, cuja Vice-governadora, Benedita da Silva, pertencia ao PT, reclamou que este deveria mudar o nome para "Partido da Boquinha" (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2310199908.htm). "Eles têm mais de 200 cargos no meu governo e estão querendo mais". Os Petistas, que àquela altura estavam há duas décadas construindo e cultivando cuidadosamente uma imagem de Partido diferente de "tudo isso que está aí", com seus parlamentares abrindo CPI a torto e à direita, verdadeiros Anjos Vingadores dos despossuídos brasileiros, após as declarações de Garotinho, subiam pelas paredes, rasgavam as vestes , viravam os olhos e espumavam da mais doída indignação, da mais pungente revolta contra seu parceiro tornado rival... Três anos depois Lula foi eleito Presidente da República, o petismo e seus aliados, que iam da extrema esquerda até o Centrão, trataram logo de abocanhar cada um seu naco de carne e ser feliz. Acabaram exagerando e sendo desembarcados do poder, mas só após quatro eleições consecutivas. Assim, não há dúvidas de que Garotinho tinha toda razão quando afirmou o que afirmou, lá atrás.
Saindo do contexto partidário, vemos a elite do nosso funcionalismo, com suas vantagens, seus penduricalhos e seus privilégios. Pouco importa a condição do país, seus "direitos" têm sempre prioridade. Sempre é tempo de se autoconcederem um agrado tungado da cidadania. Agora mesmo, todos os milhões de brasileiros que estão fora do serviço público, autônomos, empregados formais, informais, desempregados, empresários, artistas, esportistas, todos estão sofrendo prejuízos e passando apertos financeiros em função da Pandemia de Corona vírus, que gera paralisação, desemprego e desesperança. Mas os funcionários públicos, atrás de sua estabilidade e salário garantidos, exigem ter aumento, querem achar uma brecha para enfiar um Auxílio Saúde qualquer (https://www.conjur.com.br/2020-mai-06/mp-mt-institui-ajuda-custo-membros-durante-epidemia). Enfim, não largam o osso.
Ao longo da vida profissional tive oportunidade de lidar com militares, várias patentes, de Sargento a Coronel. E sempre, desde o início, para minha decepção, que antes os admirava tanto que até pensei na juventude em me tornar um deles, percebi, em quase todos, como um traço cultural mesmo, de forma mais ou menos disfarçada, a busca pela boquinha, desde o simples almoço grátis, passando pela extensão desnecessária da missão de um dia para uma semana para embolsar as diárias, a transferência de posto arranjada a pedido, para embolsar o auxílio mudança (dá para trocar de carro com isso), dentre outras  coisinhas feias. Tudo isso me leva a observar com extremo desgosto e nenhuma surpresa, porque é só mais do mesmo que já vi antes, um bando de generais e outros altos oficiais aposentados disputando a tapa uma boquinha no governo de um ex-capitão indisciplinado. Aliados à extrema-direita mais autoritária e reacionária. Não se importam se isso suja a imagem de suas instituições, se correm o risco de sofrer alguma humilhação (vários já sofreram). Tudo o que querem é dobrar ou triplicar a renda, somando salários aos gordos proventos de aposentados.
A conclusão a que chego é essa: de A a Z, todos vêem o Estado como uma enorme teta que deve ser mamada, quanto mais, melhor. Enquanto o pagador de impostos não se cansar e der um basta nesse parasitismo, passará a vida assim, trabalhando duro para alimentar um Estado insaciável.

sábado, 2 de maio de 2020

A radicalização da Política e a morte

A experiência de escrever num blog se mostra muito interessante porque a gente consegue resgatar as próprias ideias tempos depois e verificar se o que pensávamos antes ainda faz sentido ou não.

No dia 01 de Julho de 2017 eu escrevi três pequenos textos (aqui 1aqui 2 e aqui 3) descrevendo o agente político radical, a sua importância para forçar o surgimento de inovações nas sociedades, por seu inconformismo e sua atitude disruptiva, mas mostrando, por outro lado, o perigo que ele representa, na medida em que a disrupção que ele sempre busca pode sair de controle e causar enormes danos, incluindo banhos de sangue, dos quais a História esta cheia de exemplos.

Revendo esses textos após três anos, vejo que continuo acreditando nas mesmas ideias e constatando que nos dias atuais correntes radicalizadas estão, se não ainda no controle, exercendo grande influência  na política internacional, notadamente, partindo do mais próximo para o mais distante, no Brasil, nos EUA, no Reino Unido, na Italia, na Hungria, dentre outros.

O que se vê, então, é que há uma onda internacional crescente de insatisfação e radicalização, que já avançou bastante em alguns países. Se trata então de um fenômeno social internacional, mas não global, porque não afeta de modo igual todos os países. A crise pandêmica (que atinge o mundo todo) que vivemos oferece uma boa oportunidade de observar esse fenômeno na prática.

O comportamento radical, anti-institucional e anti-establishment, tem mostrado sua cara de modo bastante didático nessa pandemia e as sociedades onde essas tendências radicais estão mais influentes e poderosas, como as dos países nomeados acima, tem pago um alto preço em mortes de cidadãos. Mortes na maioria das vezes evitáveis, como mostram os resultados perfeitamente comparáveis alcançados pelos governos moderados, que aceitam o conhecimento científico e as recomendações dos estudiosos e tomam as medidas necessárias para proteger seus cidadãos.

Historicamente as sociedades sempre voltam para o equilíbrio, para a moderação, abandonando ou expulsando seus radicais do poder. A questão, sempre, é saber quantos corpos são necessários para aplacar a fúria e restabelecer o comando da moderação.